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HUMANINDADE

Gravura –  1977

Figuras interpeladas pela insuficiência do ser nos desvãos da vida.

Sobre a obra:

A HUMANIZAÇÃO NAS GRAVURAS DE FÚLVIA GONÇALVES

A HUMANIZAÇÃO NAS GRAVURAS DE FÚLVIA GONÇALVES

Por Paulo de Tarso Cheida SansCadeira 14 da ACLA – Professor do Curso de Artes Visuais da PUC-Campinas, Mestre em Filosofia da Educação pela PUC-Campinas e Doutor em Artes pela Unicamp. Diretor Curador do Museu Olho Latino, Atibaia, SP. É autor dos livros: Pedagogia do Desenho Infantil. Fundamentos para o ensino das artes plásticas. A criança e o artista e Aspectos da Arte e da Cultura Popular em Campinas. Também é membro da Associação Profissional de Artistas Plásticos de São Paulo.

Apresentar a artista Fúlvia Gonçalves em poucas palavras não é fácil, dado o virtuosismo de sua produção artística que vem de longa data. Mas é, com muita satisfação que faço uma breve apresentação sobre uma artista tão completa.

Comecei a ouvir falar mais da artista quando ela mudou-se para Campinas em 1976, vinculando-se como professora da Unicamp para iniciar o ateliê de gravura e artes plásticas.

Por alguns anos dessa sua nova atividade e com o meu início como docente em outra universidade da cidade, na Puc-Campinas, tivemos alunos em comum.

Alunos que cursavam Educação Artística na PUC-Campinas e que frequentavam o ateliê de gravura da Unicamp, sob a orientação da artista. Em nenhum momento ouvi algum desses alunos comentarem negativamente sobre a professora.

Com o passar do tempo e vendo como Fúlvia ativava a sua carreira como educadora, criou-se um respeito e consideração de minha parte por uma colega que manteve uma conduta artística digna e criativa ao longo de sua jornada profissional.

Na realidade o nosso contato pessoal nesses anos foi pouco. Por um lado, apreciei algumas de suas mostras e por outro acompanhei pela imprensa a sua participação artística. Enfim, algumas vezes participamos de exposições coletivas como expositores.

Contudo, em 2011, época em que visitava a artista para sua inclusão como membro da Academia Campineira de Letras e Artes e com a intenção de realizar uma mostra da artista como curador da Galeria de Arte “Thomaz Perina” da referida Instituição Cultural, pude apreciar várias de suas obras em seu ateliê. Foi nessa visita que pude contemplar as linogravuras da artista.

As 13 gravuras em linóleo compõem um momento muito especial em sua carreira. Fúlvia é reconhecida como uma importante artista plástica pela sua relevância de harmonizar em suas obras a composição em sintonia com as formas e cores. A sua objetividade e leveza e lidar com a linha trouxe uma conquista pictórica em sua produção, cuja marca estilística se destaca. O outro aspecto de sua produção é o lado inovador, experimental, ao criar obras com colagens dando outra conotação criativa e expressiva, como fez em questionar visualmente as consequências da banalização da imagem de Gioconda. Encontrou a Monalisa, não no sentido de apreciação museológica, mas na mídia, na propaganda, nas páginas de vidros de conserva.

As qualidades plásticas da artista inerentes à pintura e ao desenho são transformadas em outras vertentes expressivas ao lidar com a gravura, com a sulcagem e com a articulação das peças e cores ao compor a sua obra gráfica. As gravuras mostram uma Fúlvia penetrante, atemporal, “rústica”, enfocando a essência do humano. Considerando a produção artística de Fúlvia, a gravura ocupa uma pequena parte, mas significativa, assim como suas pinturas, aquarelas, desenhos e montagens.

O interesse pela gravura fez a artista cursar as possibilidades técnicas dessa Arte como mestre Paulo Menten, em São Paulo, e fins da década de 60. Depois de algumas sessões, Fúlvia interrompeu o seu estudo no ateliê por causa de alergia aos produtos decorrentes do ácido e da tinta. Contudo não deixou de admirar e apreciar grandes gravadores como Dürer, Grassmann, Darel…

Com gravura em metal, criou a série “Coleópteros”, exposta na FUNARTE no Rio de Janeiro em 1978. Suas gravuras em ponta seca foram reforçadas com o uso da aquarela sobre o papel Coton, merecendo uma composição musical de Raul do Valle, inspirada nessa série.

Sua incursão pela gravura a fez abrir a primeira Oficina de Gravura do Instituto de Artes da Unicamp em 1977. Obteve premiação no concurso de Cartões de Natal Brasileiro em 1988 e participou da 19ª Mostra Latino Americana “Miniprint”, em Rosario, na Argentina, em 1994, com xilogravura.

As 13 gravuras em linóleo datam de 1978 e foram doadas pela artista ao Acervo do Museu Olho Latino. A artista entalhou e imprimiu as gravuras num único dia. A partir de uma matriz em linóleo, recortou com tesoura as partes e fez variadas composições entre elas, imprimindo-as gerando as 13 obras oriundas de uma mesma matriz.

Compondo uma configuração com linhas brancas, a artista entrosa os seres humanos em agrupações: ora os rostos estão colocados em sequência na vertical, ora os seres estão lado a lado, sem contar a sintonia nas formas recortadas em que a figura acalento que acolhe os filhos em momentos preciosos de carinho e afeição.

As articulações das peças são agrupadas, reorganizadas e impressas alterando as cores, assim formando novas situações de relações entre os seres criados. A comunidade representada está atenta num sincronismo de que aludem à tristeza. Há nessa conjunção de formas e transmissão de uma espécie de cerimônia, algo   que relaciona o “mito”, a “vida” e o sentimento de bondade e compreensão.

A humanidade proposta pela artista é um convite à reflexão sobre a importância da amizade, do respeito ao próximo e da confraternização cidadã entre seres. Suas figuras são religiosas, humanizantes, estão ligadas com as leis e a espiritualidade do universo.

por Pedro Manuel Gismondi

Por Pedro Manuel Gismondi –  jornalista, historiador e crítico de arte
Fúlvia sempre se preocupou com a figura humana, ela as apresenta em situações dramáticas e, pouco a pouco, vai descendo fundo em seu âmago. Há uma fase em que ela representa a pessoa vista de dentro, que pode até ser uma visão anatômica, mas é, antes de tudo, uma visão interior, numa posição mágica mesmo, imaginária, fantástica – são situações emocionais.
Em um período posterior ela volta a ver a figura por fora, mas sempre mantendo uma ligação, um elemento simbólico colocando em espaços metafóricos – que se transforma e, ao mesmo tempo, é equívoco. Existe um relacionamento fantástico de figuras solidárias entre si. Dado que é um assunto subjetivo, tem de fato importância na obra de Fúlvia, mas o que fica é a forma, através da qual chegamos ao conteúdo.
Na forma, o tratamento da cor é maduro, com soluções cromáticas peculiares. Isto quer dizer que os tons tem gama e tonalidades originais e bem relacionadas. Ao elemento plenos coloridos, cortados ou delimitados por traços bem harmonizados que fazem parte íntima da expressão, estabelecendo uma relação na composição que é tão importante e se entrosa perfeitamente com o assunto  mágico, fantástico que prefere.
Daí a unidade de tema ou assunto, forma e conteúdo, pois a solidariedade humana ou a solidão que aparecem em seus quadros são um só tempo resultado da figuração e da estrutura formal.
No cenário da arte contemporânea, poderia se dizer que existem famílias de artistas. Mas da influência que Fúlvia possa ter sofrido de Wesley Duke Lee, a meu ver existe uma afinidade mais profunda que está ao mesmo tempo no gosto, na necessidade expressiva da utilização da cor e do traço.
Existe uma aproximação da natureza como ela é percebida, interpretada, porém de uma maneira livre, utilizando as mensagens do subconsciente, redundando numa visão mágica. Fato é que acentuando pela interpretação da cor, o que a coloca na grande corrente expressionista, marcada pela representação visionária da realidade da qual participa, amplamente a imaginação e os “demônios” do interior. Ou seja, faz parte daquele grupo que reconstrói o mundo a partir de uma linguagem profundamente subjetiva que mais é conhecida pelo fruidor, mas se desvela.

Fúlvia Gonçalves

Em tempos passados, a crítica de arte fez cometários sobre minhas obras, referindo-se sobretudo, à s figuras que se transformam e se repetem numa constante situação.

A intenção de desenhar torna-se frequente até mesmo quando a pintura se revela sobre superfícies diversas. Suas espatuladas, em massas  espessas são conduzidas por sulcos que vincam fortemente a superfície mole à moda  de um afresco, como tal ocorre no mural “Balé das Águas”, realizado na ETA-3, em Campinas, em 1972.

Como ali naquele extenso mural e, posteriormente, as formas vão se materializando sem qualquer esboço prévio.

O modo quase tosco de trabalhar a superfície, ao mesmo tempo apresenta uma certa leveza. Tons velados, cores lavadas, sugerem volume – como disse o crítico e curador Marcos Rizolli, certa vez numa mostra individual no MACC.

O traço que surge sem qualquer preocupação, decorre da confiança em criar livremente. Idéia, material e técnica a meu ver são atos simultâneos. Isso foi estimulado por Wesley Duke Lee, nos momentos  em que estagiei em seu atelier em Santo Amaro, SP. Foi ele que viu em meus trabalhos a poesia da linha.

Em publicação recente, na Revista da “ACLA – Academia Campineira de Letras e Artes”, Paulo de Tarso Cheida Sans diz:

“As qualidades plásticas da artista, inerentes à pintura e no desenho são transformadas em outras vertentes expressivas ao lidar com a gravura, com a sulcagem e com a  articulação das peças e cores ao compor sua obra gráfica.

As gravuras mostram uma Fúlvia penetrante, atemporal, “rústica”, enfocando a  essência do humano”.

Entretanto, quer nas figuras representadas ou nos momentos em que o aspecto ecológico se manifesta, a poética se mantém.

Fúlvia

HUMANINDADE II

Da rebelião ao isolamento, do isolamento ao caos.

Desenhos em série,
pastel sobre papel Arches

2015

HUMANINDADE III