BALÉ DAS ÁGUAS
DO IMPURO À PUREZA
BALÉ DAS ÁGUAS
DO IMPURO À PUREZA
Fonte de energia, de alimento, de saúde e estética, a água conforma-se ao espaço em que ocupa. Na dinâmica dos três estados físicos que precioso líquido pode percorrer, ele evolui da placidez do lago à corredeira do rio ao turbilhão da cascata. A água traz como um de seus atributos a transparência que pode chegar à turbitude conforme seu nível de purificação. Neste ciclo de transformação, do estado impuro à pureza, a água executa coreografias dignas de um palco iluminado. Fúlvia, a autora do painel, traduziu, com gestos expressivos e cromáticos, o balé das águas corporificando as evoluções, em tempos diferentes, com que Nijinsky, Diaghilev ou Barishnikov materilizavam a trilha sonora. Sonho e materialidade. Expressão corporal e liquidez.
EXECUÇÃO 1972 – RESTAURO 2008
Em visita à ETA 3 1972 com Lauro Péricles, então chefe do DAE, vi aquela enorme parede branca que me chamou a atenção. Fiquei entusiasmada em executar, aplicar ali um painel, utilizando no entanto um material que vinha pesquisando já há algum tempo. Um painel que tinha tudo a ver com o edifício: uma obra artística de engenharia e arquitetura.
Como professora que eu era, na Unaerp – Universidade de Ribeirão Preto, conquistei um registro do MEC – Ministério de Educação e Cultura, um título “Análise e Exercício dos Materiais Expressivos”. A minha pesquisa, portanto, estava direcionada para uma “matéria” que permitisse ampla utilização sobre quaisquer superfície: papel, vidro, chapas de acrílico etc., visualizei, então, ali naquela parede não só a aplicação daquele material num trabalho artístico, como também com seu resultado, a intenção de defender uma tese de mestrado. Estava ali a resposta de tudo que pesquisava no momento – vernizes, areia, gesso etc.
Enfim, tudo que pudesse permitir a aceitação de cores, tinta holandesa como a acrílica da “Tallens Rembrandt” por exemplo, com vida duradoura e imperecível.
Aceitei informalmente o convite para a execução do painel. E o trabalho aí está: Restaurado e com a cogitação de tombamento – nos seus 45 anos agora em 2017.
RESTAURAÇÃO – 2008
FOTOGRAFIA
O mural realizado em 1972, vem da época em que eu vinha experimentando uma matéria que possibilitasse produzir espécies de relevos e texturas grossas por meio de espátulas e pontas secas sobre quaisquer superfícies como o papel em parede cimentada como esta resultando num tipo de afresco.
Hoje, 2017, o mural completa 45 anos e, bem conservado, aí está.
A pesquisa com “materiais expressivos’ aqui se completou. Procurei visualizar um balé. A inspiração veio de um espetáculo que eu assistira na noite anterior pela TV.
A luminosidade era de uma fosforência azulada. Ao me deparar com uma parede de grande extensão como esta – 10,00m de comprimento X 3,00m de altura – logo imaginei a aplicação daquela matéria que havia criado. Era o momento de aplicá-la e as ideias foram surgindo até que trabalhei também a parede menor. Anos mais tarde achei que as inúmeras cabeças que aí estão podem representar gotas d’água que se movimentam da esquerda para a direita. Cores terrosas no início: a impureza atravessando um filtro amarelo de acrílico e, depois, numa certa velocidade a figura alcança um círculo azul de acrílico também transparente, a fim de se libertar em sua “pureza’. Os tons em azul, neste caso, já que é a água cristalina, pronta para ser consumida…
Certa ocasião, em visita à 3ª Estação de Tratamento de Água (ETA3) da SANASA, em Campinas, tive a oportunidade de conhecer o mural “Balé das águas – do impuro à pureza” de autoria da artista plástica Fúlvia Gonçalves. Já ouvira antes, falar sobre a existência dessa obra de arte no local. Ela tem sincronia com a finalidade do edifício projetado pelo arquiteto Fábio Penteado. Realizado em 1972, o mural mede 3,00 X 10,00m e fica no hall de entrada do edifício. A composição possui uma fluidez que nos remete ao líquido em estado de purificação e a predominância de uma das técnicas na execução traz uma idéia desse processo. “Do impuro à pureza” não é uma obra estática. Ela revela a action painting, o gestual da autora como o ciclo da natureza no seu princípio ativo de revitalização.
Conversei com Fúlvia, após a visita, e ela reservou uns momentos para falar-me sobre a execução do trabalho. Gentilmente a artista começou citando Umberto Eco ao dizer que o artista não deve falar sobre o resultado do próprio trabalho como o faz o crítico, mas que ela poderia detalhar-me algumas coisas a medida em que recordava do fato. Segundo seu depoimento essa foi uma experiência marcante numa vida dedicada à arte e ela complementou:
“A princípio pensei na água, no líquido amniótico, na vida, na morte, no vestígio de uma criança, nas gotas e pingos de chuva… A lama… Ao mesmo tempo em que elaborava o painel assisti pela televisão a uma companhia de ballet… Eu me lembro vagamente como num sonho, de Diaghilev… Nijinsky… Corpo de baile numeroso em que as figuras elevavam-se e soltavam-se com grande leveza… Stravinsky?!… Debussy?!…”
Ainda relembrando a execução da pintura do mural ela salientou que o tempo da real execução do trabalho desde o início ocorreu num percurso de 30 dias. Tudo acontecia sobre o andaime para onde um operário passava-lhe o material (argamassa) que havia sido previamente preparado para a espatulagem da superfície que resultou numa espécie de “afresco seco”.
“A mim empolgaram os ocres da tinta acrílica Tallens Rembrandt e as chapas de acrílico transparentes – do impuro à pureza… relevos… empastes… riscagens… linhas rápidas… cabeças… Era junho e fazia muito frio atormentada ao finalizar aquele espaço. Se houvesse mais espaço e tempo o mural não teria fim, tal a sensação…”
Ao fim desse envolvimento artístico a obra foi inaugurada junto com o prédio. “O título surgiu-me 30 anos depois como referência ao processo vital de simbiose homem-natureza, como a água pura e cristalina pronta para saciar a sede”
O mural revela uma interpretação pictórica do movimento e da melodia corporificados no BALÉ DAS ÁGUAS, por assim dizer, na transposição do processo revitalizador que vai DO IMPURO À PUREZA”
Arq. Maria Alice Faria Pedroso
RESTAURO